segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Perguntas para ela não responder

Eu sem você, sem nós dois,
o que seria de mim?
Com quem compartilharia
a chuva, e a calma depois?

Ninguém na insônia, meu céu,
se eu acordar bem cedinho;
diante do espelho e de mim,
só o meu rosto sem véu.

No poço do tempo, a nudez,
e um temido silêncio.
Na urdidura do tempo
o vazio em prenhez.

terça-feira, 20 de setembro de 2011

A fome dos pães

De crisântemo, pintada de sol
e girassol, a manhã
desova seus pães de trigo.

No balcão da padaria
os pães nos desejam,
nos comem. A cada
manhã, eivados
de fome e paciência
vão nos deglutindo,

os pães eternos de cada dia.

segunda-feira, 19 de setembro de 2011

Biografia



Olho o rio que leva as almas,
rio sem rumor, pele prata,
na noite de céu gelado.
Olho o ir e o vir de vidas
murmurantes sem aviso
das eclusas da memória.
Nesse porto em crepúsculo,
despertos num dia-a-dia,
mercadejando sua dor,
vultos saem do cós do tempo.
Lá está minha mãe: sua vida
é navegar pelo sal.
Alinhava um pano branco,
abotoando-o de lágrimas.
Bem perto (mas escondido)
vejo meu pai como ator
interpretando o papel
de amor, traição e destino.
Está vivo em meio ao Letes,
de onde nunca vai voltar.
Põe-se a cuidar do caçula.
Amassa espinhas de peixe
com as mãos sujas de graxa,
para salvar o menino
de armadilhas da fome
(de dor fixa na garganta).
Seu trabalho na oficina,
é ajudar o menino
e seu martelo de plástico.
Forja em ferro frio o ser,
busca blindagem de aço.
Sempre tem as mãos de graxa
de consertar rodas tortas
de carroças que quebraram.
Minha mãe vive a coser.
Cose sua carne com agulhas,
remenda trapos de vida
e diz que dói ser mulher.
Com essa dor costurada
vela o menino que brinca
com seus brinquedos quebrados:
derrama sobre os encaixes
cera quente de ódio e amor,
que não solda nem desata.
Vejo claramente o sonho:
um barco velho flanando
pelo mar que é cemitério.
Capitão de um barco preso
à margem, vivo buscando
um lugar para o sol e a lua.

A inauguração da maquete

Maquete de cera em alto-relevo
fusão de silêncio e matéria-prima:
mundo atado à dor da madrugada.

Tão-somente olhada por estrelas
a maquete aguarda a alvorada:
Sr. Fiori busca pão sem se mover;
cães alvissareiros são de pedra;
pardais pelo beiral, pios empalhados;
senhoras varrem pó de estrelas, mudas;
verdureiro de alfaces de sereno,
seu pregão congelado está por um átimo.

Eis que a língua de luz toca-os como sopro
e a maquete revive excelente.
O carrosel ativa seu moinho
e lázaro revive sua voz.
Chovem os ruídos da manhã
repicando na veneziana.
São as flores e os pombos das mágicas.
Ontem e hoje a idosa vestida de preto
abraçada à oração segue ao portal.
Os pássaros reapareceram à janela.

A cidade aberta pelo dia
descosturou em ruídos sua tenda.
Vão-se todos ordenados pela hora.
Perdem-se aqueles no voo distante.
Tudo parece viver sem dizer.

Para onde seguirá a vistosa tenda
reinaugurada ao amanhecer?

2 A fanfarra do TG

A fanfarra do Tiro de Guerra, recidiva, treina o amor à Pátria. Também recidivos, na fileira mais alta do dia, o ipê amarelo, o rosa, o branco, no firme azul. No chão o mesmo pó de deserto nos coturnos, chão de vida e morte dos jovens legionários. Sempre o setembro seco bicado pelos sabiás pocas, cantando a chuva que não vem.
Outrora os dezoitos anos me convocaram, me alistei. Das guerras da idade, a única fardada. Outrora num pelotão avançado servi. Havia muitas guerras e nenhuma amada esperando.
De olhos fechados, novamente ouço o som militar galgando as estrelas, som que, esmaecendo, nunca some. Onde estão os meus correligionários, os aprendizes de homem? Com uns, troco bons-dias, boas-noites, e com os que desertaram, troco sussuros de silêncio. Obedeceram a ordem última e se esconderam nos campos santos, os bravos, inolvidáveis. Onde estará o sargento? Ouviu também ele a voz de descansar?
O mesmo novo pelotão toca o rataplã furioso, o cortejo de coturnos emparelhados vai num crescendo tomar o pico da colina. Chegaram os novos manés, os antônios, os alves, os machados, os bavieiras, os dianis, todos com a numeração ao peito.
Madrugando suas vidas, praticam a ordem unida, sinuosa e acelerada. Seguem, desarmoniosamente alvos da guerra não declarada. O sargento lá do panteão continua comandando as ordens de ir, seguir, parar e descansar.
O caudal verde azeitona de jovens flui sem nenhuma prática da guerra. O rataplã treme o quarto e a cama. Os coturnos solam. Os toques de silêncio. O sol da alvorada viçoso avança, incontinenti, nos olhos.

terça-feira, 13 de setembro de 2011

Fanfarra do TG

A fanfarra do tiro de guerra,
recidiva, esmera o rataplã.

Fiz parte de uma, onde está?
Listados para a morte
ainda somos alguns.
Os demais, abduzidos,
tomados pelo inimigo
oculto. Por arma branca
silenciosa? Recolhidos
em macas? Agora podem
dormir nas guaritas.

Os novos donos do rataplã,
madrugados para a guerra,
praticam a ordem unida.
Os novos praças: os alves
os antônios os bavieiras
os dianis os manés os machados
numerados bem ao peito
marcham para a bala.

A fanfarra e o rataplan
desata som e fúria
com o martelo da morte
nos coturnos emparelhados.
Quem troa a ordem de seguir
na mesma ordem inclui
o grito de parar e descansar.

Obedientes, bem unidos,
desarmoniosamente alvos
da guerra não declarada,
flui o rio verde de jovens,
o sol chapiscando nos olhos.