domingo, 7 de novembro de 2010

Espairecimentos


Saí para espairecer, pensar em nada, pensar em tudo. Flanar, os pensamentos como bolhas de sabão. Escolhi o Bosque Municipal, próximo a minha casa. Lá fui eu pelo suave caminho, assobradado e serpenteante, que não leva a lugar nenhum e retorna a si mesmo, muito bom para pernas sem cabeça.

Cumpria a risco o traçado, não havendo por parte nem de mim, nem do mundo, qualquer desfazimento das intenções previamente estabelecidas, aproveitando-me do silêncio e dos deleites naturais como o reflorescimento da paineira, desperta de seu fingimento de morta, e a irrupção dos ipês roxos, amarelos e brancos que estalavam suas cores no bosque. Alguns sabiás cantavam ao fundo para que a caminhada fosse em adágio.

Um tempo se passou, infinito enquanto durou...Soprado, guturalmente, da beira do caminho, do meio das folhagens, uma voz aguda e grave fechou a cancela da minha senda:

− Que horas são, moço...?

Pensei que fosse Crono, o deus do tempo, interpelando-me por alguma transgressão ou uso indevido das minhas horas. Perplexo, estarrecido, permaneci em silêncio, à espera do merecido castigo. Erguido à minha frente, um gigante de dois metros de altura, que começava por uns pés descalços, ou melhor, pés que sumiam com as sandálias havaianas, daí subiam canelas cabeludas, joelhos rombudos, para finalmente (que alívio!) principiar um short branco e sujo; o short parava, começava um umbigo e uma barriga cabeluda que escapava de uma camisa de algodão branca e suja, com dois botões, o debaixo aberto. O peito cabeludo era encimado por um pescoço que ninguém conseguiria esganar e, sobre ele, um rosto largo e inteiriço como um elmo. Na frente do elmo uns dentões amarelos sorriam, e uns óculos brancos coruscavam sobre olhos esbugalhados; na testa, o topete infantil. E a voz de novo:

Moço... é hora do almoço?!.

Ainda naquele minuto eterno, não entendia se ELE me perguntava se era hora do almoço ou se era hora do moço...

Atarantado, afrontando meu opositor, tal qual Davi a Golias, atirei da minha funda a pedra que melhor achei para o embate:

− São onze e meia. Está na hora do almoço – disse, olhando para o braço esquerdo, sem que nem Ele nem eu percebêssemos que eu não tinha relógio.

Uma nuvem desceu sobre sua carranca. Uma dúvida imensa parecia uma cortina fechando seu sorriso e esbugalhando seus olhos ainda mais. De repente, tal qual no teatro, quando o astro aplaudido reaparece por de dentro da cortina, o seu rosto de novo recuperou a esperteza, tornando ágil todo aquele imenso corpo:

− Eu vou para casa, se não, não vai sobrar nada para mim.

E partiu em desabalada rumo ao portão do bosque, de modo a se ouvir seus calcanhares no chão duro.

Fiquei de longe, no mesmo lugar em que ficara plantado, olhando-o sair do bosque, sumir de vista. De certo, esperavam-no, preocupados, para o almoço.

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