O menino
e sua rua
Tenho a chave, giro e abro o portão.
Lá, na estendida rua, a minha infância.
Estou correndo sempre, até no sono,
não paro sobre o chão, ando nas águas.
Sem perceber, vivo: a vida vive
em mim para saber como existir.
Nessa rua de terra a lua vinha
no olho da coruja ou a pé.
Aos cães ela os chamava pelos nomes
que a ela respondiam com amor,
a ela com seu uivo a deusa amavam.
A mesma lua vinha, hoje não.
Nos dias as carroças madrugavam
e todos os vizinhos iam nelas.
À noite um trás outro retornavam.
Pesados como as rodas que mugiam,
nas casas acendiam a fumaça:
que irradiava o pão de mais um dia.
Persigo um quintal onde morei,
em que de toda árvore caía -
nadava numa água sem ter margem.
Meu barquinho seguia, seu dono
pensava o que o vento sonha à noite
e acordava com o mesmo pensamento.
Eu era apenas mundo, e o mundo eu.
Eu era o ponto claro numa nuvem.
Eu sabia de cor que tudo é zero.
Desaprendi, no entanto, ser tão rico –
não consigo encontrar naquela rua
o truque que o menino guarda lá.