segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

De perguntas


De perguntas, este texto

será pra você, meu bem,

as quais apontam além:

Como estarei num contexto,


sem ninguém e sem nós dois?

Onde eles e onde as vozes?

Por quem quebrarei as nozes

e as distribuirei depois?


Mais perguntas, pro meu céu:

Quando eu acordar tão cedo

diante da vida e do medo,

e olhar meu rosto sem véu,


qual o papel nesse drama

que o ator irá herdar

se, nesse hoje, só restar,

eu e ninguém nesta cama?

Os cinco pães da tarde

Ao vestir esta blusa, o tempo volta:
revive dos seus bolsos um retrato
da rua e seu menino, e quando volta
vai revelando um filme sempre em ato.

Eram e continuam ser três horas.
Estão latindo cães à carrocinha
que vem rangendo o mundo, rua afora,
vender o pão sovado à infância minha.

A velha égua baia traz de cor,
dobrado pelo tempo, João padeiro,
cuja voz de tenor e vendedor
oferece os pãezinhos passageiros.

Minha mãe outra vez quer cinco pães,
que, do baú cheiroso cor de trigo,
cruzando pelo alto os magros cães,
na fome dos meus braços vão comigo.

As rodas rangem lentas pelo céu,
e a vida vem e vai como uma fraga.
Pequenas cinco bocas com troféus,
e um esquecendo som que mais se apaga.

Viaja hoje tão triste essa carroça,
no chão da mesma pedra a ferradura
por vez ou outra passa e remoça
essa rua enterrada que tortura.

João Paca

Faleceu João paca.

Ficava na espera

de bagrinhos lisos,

ou na espera Dela,

a da fisga lisa?

Ensinou-nos bem

do remanso certo,

da reta final

dessas linhas curvas.

Bem mais andarilho

de beira de córrego

que bom pescador:

varreu pro silêncio,

de dentro de si,

querelas do mundo.

Franscicano foi,

rico franciscano,

pobre de ter cão

atrás, Deus no céu.

Foi folião de Reis,

e chorou o sagrado,

um choro de sangue,

pungente e feroz.

Bem pouco viveu,

com pouco viveu.

Com esse dom morreu

e o levou consigo.

Sumiu como paca,

desceu correnteza,

foi rico de algo

que soçobrou nele.

Madrugada


De madrugada, a aparência

é ouvida em preto e branco;
passo e tosse, a decadência
de um fantasma mudo e manco.

Com o cravo do sol nos dedos,

madrugada é dor de grávida,
avisam os cães do medo,
do sótão da casa pálida.

Noite de fome, esta noite!

Comeu a lua e meu sono,
mas noite de brando açoite:
chamou meu nome e sumiu.